Rubem Penz

E a professora reparou na criança mais tímida, tão quieta quanto observadora; e notou como suas feições reagiam de modo emocional aos eventos da rotina na sala; e viu surgirem estranhos parentescos entre as primeiras palavras e as imagens. Mais tarde, bem mais tarde, pôde confirmar as suspeitas de que crescia sob seu olhar um poeta.

E a professora sentiu uma rebeldia inata desde o olhar até o crispar do cenho; e reparou que esta postura saltava da postura para a voz em poucos segundos, sempre afirmativa e firme; e notou como seus colegas a escutavam, num misto de respeito e medo. Mais tarde, bem mais tarde, pôde confirmar o palpite de que a política já circulava naquelas veias.

E a professora notou um gosto todo especial pela investigação das coisas, uma curiosidade incessante sobre como funcionavam; e viu que a curiosidade movia a criança para hipóteses, e que as hipóteses levavam ao prazer da aferição; e reparou ser a busca de respostas o motor daquela alma. Mais tarde, bem mais tarde, soube notícias vindas do exterior falando daquele projeto de cientista outrora claro diante de si.

E a professora reparou na facilidade com que a criança compunha formas com a massinha de modelar; e, mais do que formas harmônicas e proporcionais, notou que ela compunha sentidos, sensações; e viu uma brutal e prematura consciência para lidar com as cores. Mais tarde, bem mais tarde, um homem feito, distante do pequeno molde, desfilava ao lado de modelos vestidas com sua nova coleção.

E a professora surpreendeu-se com a velocidade e a precisão do gesto, em ato reflexo, reagindo à chegada súbita da bola; e notou que aquelas pernas se moviam de forma fácil, como se dançassem, fazendo-a saltar adiante de todos (meninos e meninas) ao correr; e viu uma postura que tornava sua figura ainda mais longilínea, ampliando com flexibilidade e naturalidade cada movimento. Mais tarde, um pouco mais tarde, a atleta comemorava nas páginas de jornal sua transferência para um clube do exterior.

Sejam evidências ou vidências, mestres atentos são capazes de adivinhar futuros músicos, advogados, médicos, empresários, professores… E festejam com alegria o talento nascente, adubando as vocações. Talvez por isso, também, tornam-se inesquecíveis.