Rafael Bricoli
Eu acredito na força da imaginação. Eu acredito na criatividade infantil.
A imaginação está presente no meu fazer pedagógico diário e também no meu fazer artístico. Dentro da escola, convivo com crianças de seis a onze anos, que me fazem entrar em contato com o universo que as cerca. Quando pensei nas minhas propostas para cada série, quis valorizar a imaginação e a criatividade. Valorizar o brincar, o estar em jogo. Valorizar a proposição conjunta. E isso não é nada fácil. Exige malemolência, exige abertura, exige desapego e exige criatividade. Delas e de mim. E o teatro acontecendo, ora propositalmente, ora espontaneamente no meio disso tudo. O teatro acontecendo na brincadeira.
Em especial com as crianças do primeiro ano. Que mágico é conseguir abstrair das leis físicas e imaginar-se num outro lugar, por exemplo numa floresta. A sala continua exatamente como estava, com exceção de umas cadeiras e cordas espalhadas pelo chão. Mas os olhos das crianças denunciam que entramos no tempo da brincadeira. De repente eu viro monstro, jacaré, feiticeiro. E percebo nelas coragem. Vejo-as enfrentando medos no faz de conta. Quando elas imaginam estar atravessando a floresta numa corda, pulando por rios, fugindo de um leão feroz, há uma flama de coragem infantil, imaginária. E a sala, continua igual para os olhos adultos. Nas aulas, quando a gente brinca de astronauta, a gente vivencia o astronauta. Cria referências imaginárias nas nossas cabeças. Pras crianças e pra mim, pois a cada resposta inesperada ou cheia de sabedoria infantil, eu percebo o quanto a imaginação é pulsante. Dá para perceber pelos olhos.
Com as turmas do segundo ano, estamos criando poderes. Super poderes. Trabalhamos a criação de um personagem. Uma figura que não sou eu, mas sou eu ao mesmo tempo. Criamos super-heroínas e super-heróis com vestes e poderes próprios. De brincadeira, enfrentamos vilões. Eu viro gigante de fogo, aranha de ferro, serpente de gelo… Os olhos e a euforia denunciam a brincadeira acontecendo. Na imaginação, das suas mãos saem verdadeiras bolas de fogo. Na imaginação, também conseguem se teletransportar num piscar de olhos para outro canto da sala. A imaginação e o corpo encontram no teatro a possibilidade de treinar ser de outro jeito.
A proposta para as crianças do terceiro ano é explorar o escuro da caverna. Utilizar o “Mito da Caverna”, de Platão, para falar sobre a vida, sobre medos, sobre consciência, sobre luz e sobre escuro. Uma das crianças falou esses dias: “No escuro, a gente enxerga com a imaginação”. Achei filosófico e poético. “Quando os olhos se acostumam, parece que fica mais fácil enxergar no escuro” – disse outra criança, demonstrando sabedoria cotidiana. Que caverna é essa em que a gente insiste em olhar só pra sombra? Estamos tentando descobrir juntos, porque eu também não sei.
Com o quarto ano, estamos explorando a expressão do corpo no cinema mudo do Chaplin. Como conseguir rir de si mesmo? Achar graça nas coisas que não dão certo? Nos improvisos, cada vez mais estruturados, percebo a sala virando praça, fábrica e circo dos filmes do Chaplin. Às vezes, até parece que tudo está acontecendo em preto e branco. Os gestos, que são signos, que trazem sentidos e interpretações, valem por si só. A imaginação completa o que não tem. No improviso, quando fingem segurar uma caneca invisível que derruba café invisível na roupa, a imaginação está presente na cena, de quem faz e de quem assiste.
É surpreendente como as crianças crescem rápido. As do quinto ano, finalizando um ciclo, têm um desafio bem complexo pra desenvolver durante o ano. A criação de um espetáculo teatral. É grande. As três turmas juntas. É desafiador. Quarenta e seis crianças (e uns adultos ajudando a coisa acontecer). Neste ano, a imaginação será o método e o assunto a ser tratado na peça. O que as crianças têm para dizer? Como elas enxergam o momento histórico que o mundo se encontra? O que elas sentem? O que elas querem de diferente?
Pra quem tem olhos atentos, as crianças são uma fonte de criatividade. E quem mais aprende nisso tudo sou eu, adulto. Entender que a partir do momento em que imagino algo diferente, meu repertório aumenta e me faz vislumbrar um mundo diferente. E poder imaginar essas crianças como pássaros cantantes em voos futuros pra um céu livre e azul, me dá esperança. Imaginar que através da magia do teatro, da relação com o outro e com o imaginário, é possível acreditar que pode ser de outro jeito. Que tem de ser de outro jeito. E o teatro proporcionando a relação da verdade com a mentira. A relação da brincadeira e a cena. A relação da realidade e da abstração. A relação da criança criadora com o adulto brincante. Isso é revolucionário.
Por isso eu faço teatro.